Implicações para o agronegócio na reforma tributária

Uma análise da simplificação do sistema de consumo e seus impactos para um setor vital da economia

Rafael Barros de Andrade

9/17/20255 min read

A reforma tributária no Brasil, estabelecida pela Emenda Constitucional 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar 214/2025, tem como meta central a simplificação do complexo sistema tributário nacional.

Para isso, prevê a substituição de cinco tributos sobre o consumo (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) por um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e um Imposto Seletivo (IS). Esta mudança busca promover um ambiente de negócios mais eficiente, neutro e competitivo.

O agronegócio, um setor vital que representou aproximadamente 23,8% do PIB do país em 2023 e que desempenha um papel fundamental nas exportações, possui características tributárias específicas e será diretamente afetado por essas transformações. A reforma apresenta tanto oportunidades quanto desafios significativos para o setor.

A transição para o novo sistema tributário ocorrerá em um período de 2026 a 2033.

Oportunidades e benefícios

  • Alíquotas zeradas para cesta básica: Produtos da cesta básica, cujos itens foram definidos por lei complementar, terão alíquotas zeradas para IBS e CBS. A versão aprovada pela Câmara dos Deputados ampliou a lista para incluir carnes, queijo, sal, óleos de milho, aveia e farinhas, beneficiando diretamente os produtores rurais. Esse tratamento favorecido é visto como alinhado às práticas internacionais e não como um privilégio. Produtos hortícolas, frutas e ovos também se beneficiarão de alíquota zero.

  • Redução de 60% das alíquotas: Haverá uma redução de 60% nas alíquotas do IBS e da CBS para o fornecimento de produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura, bem como para insumos agrícolas e alimentos destinados ao consumo humano. A proposta do Centro de Cidadania Fiscal sugere que a alíquota efetiva para esses itens pode ficar entre 10% e 12%, com estimativas do Ministério da Fazenda apontando 11,2%.

  • Não cumulatividade plena: Um ponto essencial é a introdução da não cumulatividade plena, permitindo o aproveitamento integral de créditos tributários. Isso elimina o "efeito cascata" que atualmente encarece a cadeia produtiva e promete agilidade na devolução dos créditos acumulados em até 60 dias, o que é importante para cadeias com longo prazo de maturação.

  • Desoneração total das exportações: A adoção do princípio do destino resultará na completa desoneração das exportações, visando aumentar a competitividade do agronegócio brasileiro no mercado global.

  • Isenção de IPVA: Aeronaves agrícolas, tratores e máquinas agrícolas, além de embarcações utilizadas para pesca e serviços de transporte aquaviário, estarão isentas do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).

  • Regime diferenciado para produtores rurais: Produtores rurais (sejam pessoa física ou jurídica) que auferirem receita inferior a R$ 3,6 milhões anuais não serão considerados contribuintes do IBS e da CBS. No entanto, eles poderão conceder crédito presumido ao adquirente que for contribuinte regular, o que visa eliminar a cumulatividade na cadeia. O limite de faturamento será atualizado anualmente pelo IPCA. O produtor rural integrado também possui regras específicas nesse regime.

  • Regime específico para Cooperativas: As sociedades cooperativas terão alíquotas zeradas do IBS e da CBS em operações onde o associado destina bens ou serviços para a cooperativa da qual participa, e quando a cooperativa fornece bens ou serviços a associados sujeitos ao regime regular do IBS e da CBS.

  • Reconhecimento das Peculiaridades do Setor: As conquistas na reforma são vistas como um reconhecimento das especificidades do agronegócio, impulsionadas pela atuação da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Isso busca garantir a eficiência fiscal e evitar distorções, contribuindo para não aumentar o preço dos alimentos à população.

Desafios e pontos de atenção

  • Potencial aumento da carga tributária: Há uma preocupação generalizada de que a reforma possa resultar em um aumento significativo da carga tributária para o agronegócio, especialmente para produtores que atualmente se beneficiam de isenções de ICMS, PIS e Cofins. A substituição dos impostos atuais pelos novos pode levar a alíquotas mais elevadas.

  • Fim de isenções atuais e créditos presumidos: A reforma prevê a extinção de benefícios fiscais hoje aplicáveis, como as alíquotas zero de PIS, Cofins e IPI sobre insumos como adubos, sementes, farelo e biodiesel. A eliminação de créditos presumidos existentes também é um ponto de atenção.

  • Ampliação da base tributada: A nova estrutura do IBS e da CBS incidirá sobre "qualquer bem material ou imaterial, inclusive direito", o que engloba arrendamento de imóveis e servidões onerosas. Isso pode elevar os custos dos produtores. Serviços como transporte e armazenagem, que hoje contam com tratamento tributário diferenciado, passarão a ser onerados pela alíquota cheia.

  • Incertezas na regulamentação: A indefinição das alíquotas e a necessidade de diversas leis complementares para detalhar aspectos da reforma, como a lista exata de produtos com alíquotas reduzidas, geram incerteza e insegurança jurídica para o setor. A alíquota geral só será conhecida após o período de teste em 2026.

  • Impacto no ITCMD: A previsão de alíquotas progressivas para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), onde quanto maior o patrimônio, mais alta a alíquota, representa um desafio para proprietários de terras, embora não seja uma preocupação exclusiva do agronegócio.

  • Aumento das obrigações acessórias: Mesmo para os produtores rurais que não serão contribuintes diretos do IBS/CBS (faturamento até R$ 3,6 milhões/ano), as obrigações acessórias tendem a aumentar.

  • Risco à competitividade internacional: Um aumento na carga tributária pode comprometer a capacidade do agronegócio brasileiro de competir globalmente, especialmente em um cenário onde outros países oferecem subsídios consideráveis aos seus produtores e o Brasil já enfrenta altos custos logísticos e e trabalhistas.

  • Vetos presidenciais recentes: Vetos importantes na LC 214/2025 levantam preocupações, como o que afeta o diferimento do crédito presumido para produtores rurais não contribuintes que vendem para consumidores finais, e a supressão da isenção de CBS/IBS sobre os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (Fiagros), referência implícita ao veto do Fiagro.

Período de transição

A reforma prevê um período de transição que se estenderá por vários anos, começando em 2026 e se consolidando até 2033. Em 2026, o IBS e a CBS iniciarão com uma alíquota de teste combinada de 1%. A partir de 2027, PIS, Cofins e o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro (IOF) sobre seguros serão extintos, e o IPI terá suas alíquotas reduzidas a zero (exceto para a Zona Franca de Manaus).

As alíquotas da CBS e do IBS serão elevadas gradualmente nos anos seguintes para compensar a perda de arrecadação dos tributos que estão sendo extintos. Esse período relativamente longo de transição, de dez anos, é necessário para permitir um ajuste não traumático por parte das empresas que realizaram investimentos com base no sistema tributário atual.

Conclusão

A reforma tributária representa uma transformação estrutural com implicações multifacetadas para o agronegócio. Embora traga a promessa de simplificação e maior competitividade por meio da não cumulatividade plena e desoneração das exportações, o setor enfrenta o desafio de uma potencial elevação da carga tributária e o fim de regimes favorecidos.

A incerteza quanto à regulamentação final das alíquotas e benefícios ainda paira. Será fundamental que o agronegócio, o governo federal e os estados trabalhem em conjunto para garantir que os impactos positivos sejam alcançados e os negativos sejam minimizados, aproveitando as oportunidades de simplificação e competitividade, ao mesmo tempo em que se adaptam aos novos desafios tributários.

A atuação de entidades setoriais, como a CNA e a FPA, tem sido crucial para os avanços já conquistados e continuará a ser essencial para moldar o cenário tributário futuro.

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